A
Quaresma coloca-nos em busca do melhor da nossa identidade de filhos de
Deus e de irmãos uns dos outros. É tempo de preparação para a Páscoa em
que celebramos a vitória de Cristo sobre a Sua morte e sobre todas as
mortes. Por isso, a Quaresma é tempo de alargar as medidas, capacidades e
horizontes do coração humano para que seja capaz de conter e originar
os mesmos gestos de amor que sempre nascem de Cristo.
O
Papa Francisco convida-nos a viver este tempo como um percurso para a
formação do coração, ouvindo o grito dos profetas que levantam a voz
para nos despertar, para não nos fecharmos em nós próprios nem cairmos
na indiferença para com o irmão, indiferença já globalizada. E exorta a
que as nossas comunidades e paróquias se tornem ilhas de misericórdia no
meio do mar da indiferença, pois, não podemos refugiar-nos num amor
universal, pronto a comprometer-se lá longe, esquecendo o Lázaro sentado
à nossa porta fechada: também por ele Cristo morreu e ressuscitou.
Sendo por natureza missionária, a Igreja é enviada a todos e segue Jesus
Cristo pela estrada que conduz a cada homem, diz-nos o Papa Francisco.
Ora, Jesus Cristo continua a vir ao encontro de cada homem e de cada
mulher oferecendo-se como hóspede e sentando-se à sua mesa, sem
descriminação nem preconceitos, provocando a mudança de vida na alegria
do Evangelho.
Lugar de encontro
Um
dia Jesus entrou em Jericó e atravessava a cidade, como entrou na vida
de cada um de nós e atravessa a nossa existência. Nesse dia, em Jericó,
encontrou um rico cobrador de impostos chamado Zaqueu, homem pequeno,
avarento, solitário, mal-amado do seu próprio povo. Mas, no mesmo homem
de baixa estatura, o olhar de Jesus fez descobrir-se um homem novo,
inquieto com a vida e capaz de coisas grandes, como a conversão, a
reparação e a partilha.
“Hoje
preciso de ficar em tua casa” disse Jesus a Zaqueu (Lc 19, 5). E Zaqueu
acolhe-O com alegria. A hospitalidade de Zaqueu foi despertada e
sustentada pela hospitalidade de Jesus – parou e olhou - manifestada na
gratuidade dos gestos e das palavras. Jesus e aqueles com quem Se
encontra tocam quando são tocados, reparam quando são observados,
escutam quando são escutados, interrogam quando são interrogados. A
hospitalidade foi, por isso, lugar do encontro e da mudança.
Sinal de credibilidade
Numa
sociedade da indiferença, a hospitalidade pode mudar o mundo. De
improviso ou preparada com antecedência, a hospitalidade valoriza a
lógica do dom e antecipa-se, com generosidade e amor, às necessidades do
outro. Desafia ao acolhimento das pessoas e disponibiliza-se para o
caminho feito em comum. Valoriza o que une e torna efetiva a partilha de
bens. Promove a troca de experiências e aprende com todas as situações.
Dá a primazia e prioridade ao outro para que se sinta bem e cuida da
fineza do trato e da fraternidade. Cria proximidade, responsabilidade e
desafia à caridade.
A
hospitalidade é a cultura própria dos que são discípulos de Jesus
Cristo, é uma escola de humanização. Ela torna-se estilo de vida e,
gesto após gesto, transforma-se em cultura de um povo: “O que quiserdes
que os outros vos façam, fazei-los vós de igual modo” (Mt 7, 12). Na
hospitalidade colhemos um sinal de credibilidade para o anúncio do
Evangelho. A concordância das nossas ações, palavras e pensamentos é
reveladora do tesouro que o nosso coração transporta. É muito mais
difícil sentarmo-nos à mesa do pobre do que trazer o pobre à nossa mesa.
Mas sentarmo-nos à mesa do pobre, desinstalarmo-nos e irmos à situação
de vida do outro, é que diz a dimensão verdadeira da nossa
hospitalidade. Foi assim que Jesus fez com Zaqueu e foi isso que colheu a
transformação genuína da vida daquele homem.
A nossa partilha
A
oração como amizade com Deus, o jejum como purificação dos desejos, a
esmola como partilha fraterna são os sinais quaresmais da conversão. E
todos falam de hospitalidade porque não são mínimos legais a cumprir mas
sim convite ao oferecimento do melhor de nós a Deus e aos outros.
Todos
os anos a nossa Diocese faz renúncia quaresmal como exercício de viver
mais de Deus e mais para os irmãos e com os irmãos, dentro e fora das
fronteiras geográficas, superando a indiferença e a dureza do coração.
Nesta Quaresma, para além de continuarmos a ter em conta os nossos
pobres, iremos orientar metade da nossa partilha para apoiar os cristãos
do Iraque e do Médio Oriente que, de um dia para o outro, se viram
obrigados a sair das suas casas e das suas terras, deixando tudo para
trás e ficando à mercê da ajuda internacional. Para além dos massacres e
do sofrimento que estão a viver, os cristãos que conseguem sobreviver à
perseguição, continuam a necessitar de apoio da comunidade
internacional para alimentação, medicamentos e a construção de casas e
escolas nos campos de refugiados, sem esquecer a ajuda às congregações e
seminários para que também consigam sobreviver e permanecer em
território iraquiano.
Na
partilha que fazemos, nas relações que estabelecemos, nas palavras que
dizemos, saibamos exercitar a hospitalidade de Jesus como sinal de que
somos discípulos seus. A hospitalidade exercitada, enquanto fruto
amadurecido do nosso amor e da nossa fé, poderá matar a fome a muitos,
ajudar muitos outros a redescobrirem o sentido da vida e a terem
melhores condições para a viver. E poderá, sobretudo, dar a muitos a
forte e transformadora experiência de receberem Jesus em suas casas com
muita alegria. A nossa hospitalidade cristã e pascal pode transformar o
mundo.
A todos desejamos uma Quaresma abençoada e uma Santa Páscoa.
Antonino Dias
Bispo de Portalegre-Castelo Branco
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