quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

QUARESMA DE 2015 *** HOJE PRECISO DE FICAR EM TUA CASA


  
A Quaresma coloca-nos em busca do melhor da nossa identidade de filhos de Deus e de irmãos uns dos outros. É tempo de preparação para a Páscoa em que celebramos a vitória de Cristo sobre a Sua morte e sobre todas as mortes. Por isso, a Quaresma é tempo de alargar as medidas, capacidades e horizontes do coração humano para que seja capaz de conter e originar os mesmos gestos de amor que sempre nascem de Cristo.
O Papa Francisco convida-nos a viver este tempo como um percurso para a formação do coração, ouvindo o grito dos profetas que levantam a voz para nos despertar, para não nos fecharmos em nós próprios nem cairmos na indiferença para com o irmão, indiferença já globalizada. E exorta a que as nossas comunidades e paróquias se tornem ilhas de misericórdia no meio do mar da indiferença, pois, não podemos refugiar-nos num amor universal, pronto a comprometer-se lá longe, esquecendo o Lázaro sentado à nossa porta fechada: também por ele Cristo morreu e ressuscitou. Sendo por natureza missionária, a Igreja é enviada a todos e segue Jesus Cristo pela estrada que conduz a cada homem, diz-nos o Papa Francisco. Ora, Jesus Cristo continua a vir ao encontro de cada homem e de cada mulher oferecendo-se como hóspede e sentando-se à sua mesa, sem descriminação nem preconceitos, provocando a mudança de vida na alegria do Evangelho.

Lugar de encontro

Um dia Jesus entrou em Jericó e atravessava a cidade, como entrou na vida de cada um de nós e atravessa a nossa existência. Nesse dia, em Jericó, encontrou um rico cobrador de impostos chamado Zaqueu, homem pequeno, avarento, solitário, mal-amado do seu próprio povo. Mas, no mesmo homem de baixa estatura, o olhar de Jesus fez descobrir-se um homem novo, inquieto com a vida e capaz de coisas grandes, como a conversão, a reparação e a partilha.
“Hoje preciso de ficar em tua casa” disse Jesus a Zaqueu (Lc 19, 5). E Zaqueu acolhe-O com alegria. A hospitalidade de Zaqueu foi despertada e sustentada pela hospitalidade de Jesus – parou e olhou - manifestada na gratuidade dos gestos e das palavras. Jesus e aqueles com quem Se encontra tocam quando são tocados, reparam quando são observados, escutam quando são escutados, interrogam quando são interrogados. A hospitalidade foi, por isso, lugar do encontro e da mudança.

Sinal de credibilidade

Numa sociedade da indiferença, a hospitalidade pode mudar o mundo. De improviso ou preparada com antecedência, a hospitalidade valoriza a lógica do dom e antecipa-se, com generosidade e amor, às necessidades do outro. Desafia ao acolhimento das pessoas e disponibiliza-se para o caminho feito em comum. Valoriza o que une e torna efetiva a partilha de bens. Promove a troca de experiências e aprende com todas as situações. Dá a primazia e prioridade ao outro para que se sinta bem e cuida da fineza do trato e da fraternidade. Cria proximidade, responsabilidade e desafia à caridade.
A hospitalidade é a cultura própria dos que são discípulos de Jesus Cristo, é uma escola de humanização. Ela torna-se estilo de vida e, gesto após gesto, transforma-se em cultura de um povo: “O que quiserdes que os outros vos façam, fazei-los vós de igual modo” (Mt 7, 12). Na hospitalidade colhemos um sinal de credibilidade para o anúncio do Evangelho. A concordância das nossas ações, palavras e pensamentos é reveladora do tesouro que o nosso coração transporta. É muito mais difícil sentarmo-nos à mesa do pobre do que trazer o pobre à nossa mesa. Mas sentarmo-nos à mesa do pobre, desinstalarmo-nos e irmos à situação de vida do outro, é que diz a dimensão verdadeira da nossa hospitalidade. Foi assim que Jesus fez com Zaqueu e foi isso que colheu a transformação genuína da vida daquele homem.

A nossa partilha

A oração como amizade com Deus, o jejum como purificação dos desejos, a esmola como partilha fraterna são os sinais quaresmais da conversão. E todos falam de hospitalidade porque não são mínimos legais a cumprir mas sim convite ao oferecimento do melhor de nós a Deus e aos outros.
Todos os anos a nossa Diocese faz renúncia quaresmal como exercício de viver mais de Deus e mais para os irmãos e com os irmãos, dentro e fora das fronteiras geográficas, superando a indiferença e a dureza do coração. Nesta Quaresma, para além de continuarmos a ter em conta os nossos pobres, iremos orientar metade da nossa partilha para apoiar os cristãos do Iraque e do Médio Oriente que, de um dia para o outro, se viram obrigados a sair das suas casas e das suas terras, deixando tudo para trás e ficando à mercê da ajuda internacional. Para além dos massacres e do sofrimento que estão a viver, os cristãos que conseguem sobreviver à perseguição, continuam a necessitar de apoio da comunidade internacional para alimentação, medicamentos e a construção de casas e escolas nos campos de refugiados, sem esquecer a ajuda às congregações e seminários para que também consigam sobreviver e permanecer em território iraquiano.
Na partilha que fazemos, nas relações que estabelecemos, nas palavras que dizemos, saibamos exercitar a hospitalidade de Jesus como sinal de que somos discípulos seus. A hospitalidade exercitada, enquanto fruto amadurecido do nosso amor e da nossa fé, poderá matar a fome a muitos, ajudar muitos outros a redescobrirem o sentido da vida e a terem melhores condições para a viver. E poderá, sobretudo, dar a muitos a forte e transformadora experiência de receberem Jesus em suas casas com muita alegria. A nossa hospitalidade cristã e pascal pode transformar o mundo.
A todos desejamos uma Quaresma abençoada e uma Santa Páscoa.
 

Antonino Dias
Bispo de Portalegre-Castelo Branco

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